terça-feira, 25 de outubro de 2011

A Produção Cultural e a Emancipação Intelectual

Quando se propõe a trabalhar em uma área tão delicada como a cultura precisa-se ter uma visão e atuação muito delicada sobre a mesma. Atuar na área cultural exige que tenhamos uma real articulação com o objeto central de nosso trabalho, que, ao contrário do que se pensa a principio, não é o produto final do processo cultural – imaginado como objetos que expressam mundos –, e sim o ser humano, seus fazeres e modos de dar sentidos diferentes a seus próprios mundos, seus diversos processos de significação desses mundos.
Partindo do referencial teórico que entende a cultura como a totalidade dos sentidos do fazer humano, entendo que para um gestor cultural atuar de forma significativa sobre uma comunidade, é preciso, antes, entender que o que constitui esse grupo de indivíduos como tal é a cultura. Isto é, sem esses processos de significação e identificação compartilhados por essa comunidade, a mesma não existiria.
Nesse sentido, o gestor cultural que, ao pensar qualquer ação para uma comunidade, não levar em consideração que esta possui sua própria “racionalidade”, está a realizar, como pensa o filósofo francês Jacques Rancière, um processo de embrutecimento da mesma.
Jacques Rancière em seu livro “O Mestre Ignorante” analisa a experiência de emancipação intelectual que Jacotot propôs. Para ele, ao mestre, dentro da ótica pedagógica tradicional, cabe a tarefa de suprimir a distância existente entre sua sabedoria e a ignorância do ignorante. O mestre, e somente ele, conhece a maneira de o indivíduo tornar-se sujeito, conhece o modo certo de se conhecer, e, para tal fim, precisa sempre manter a desigualdade nessa transmissão que se pretende igual.
Sendo assim, o que é próprio dessa relação é a desigualdade de inteligências – que sempre está a submeter um modo de conhecimento a outro –, e esse  processo é o que Jacotot chama de embrutecimento, algo que é oposto à emancipação: a emancipação, por ele, é entendida como a igualdade de inteligências em todas as suas manifestações e não a igualdade de todas as manifestações de inteligência. Isto é, o processo de aprendizado está diretamente ligado à possibilidade de criar formas, traduzir, fazer comparações próprias para comunicar o seus processos intelectuais e entender o que a outra inteligência está a lhe dizer. É esse exercício de distância e diferença entre os atores da relação que o mestre ignorante – que é aquele que ignora a desigualdade – se refere.
Nesse sentido, se nossa atuação sobre uma determinada comunidade partir do pressuposto que nós conhecemos o modo certo para que esses processos de significação ocorram, desconsiderando que essa comunidade possui sua própria maneira de entender e compartilhar o mundo, estaríamos por nos colocar no lugar desse mestre que pensa a diferença como sendo algo, necessariamente, desigual – no sentido de que  há um modo  mais correto que outro de se partilhar o sensível.
O que precisamos fazer para atuarmos junto a qualquer comunidade é reconhecer em qualquer espaço e configuração  a possibilidade de partidas e viradas. Isto é, todo ser humano possui sua própria maneira de ser, de enxergar e se relacionar com o mundo. Não precisamos ensinar isso, precisamos estimular as pessoas a pensarem o mundo que as cerca por meio delas mesmas. Ou seja, admitir esse exercício de distancia e diferença que o mestre ignorante faz. Pois admitindo esse exercício de diferença e distância, sem aproximar o conceito de diferença do de desigualdade, estaremos admitindo que os indivíduos que serão afetados por nossas ações já são emancipados intelectualmente. Não precisamos guiar ninguém como um pastor faz com suas ovelhas. Precisamos é propiciar que cada e todo modo de partilhar o sensível seja possível e tão importante quanto qualquer outro. Considerando iguais as inteligências em todas as suas manifestações, estaremos permitindo que aquilo que não pretendemos ocorra, pois a distancia e a diferença, a tradução e contra-tradução de todo e cada individuo estará a acontecer livre de hierarquias sociais historicamente construídas.

Por: Mariana Gomes (Marica)

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